Não tem choro nem vela. O mais recente Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, em vigor desde 2010 e em discussão bem antes disso, passará a ser obrigatório a partir do ano que vem. As duas normas ortográficas, a anterior e a atual, podem ser usadas e aceitas como corretas até dezembro de 2012. No próximo janeiro, escreverá errado quem colocar no papel paravas como "idéia", "freqüente", "infra-estrutura" e "vôo". Todas mudaram a grafia por causa do novo acordo, cada uma por regras específicas. Agora se escreve "ideia", "frequente", "infraestrutura" e "voo".
Na televisão, nos artigos e reportagens dos jornais da cidade, nas placas de sinalização, em grande parte dos letreiros de prédios públicos e particulares. As mudanças já são vistas no dia-a-dia dos potiguares e brasileiros de maneira geral. Porém, o grande desafio é fazer com que o acordo "pegue" na população, como se diz popularmente. O desafio se torna mais difícil ainda para fazer com que pessoas que não frequentam mais a escola, não estão mais em idade escolar, se adaptem às novidades, mesmo com três anos de adaptação. Saibam escrever corretamente a língua portuguesa.
Segundo o Ministério da Educação, a reforma ortográfica tentou facilitar o processo de intercâmbio cultural e científico entre os países e ampliar a divulgação do idioma e da literatura em língua portuguesa. O que muda é apenas a grafia de 0,5% do vocabulário. Ou seja, apenas a escrita das palavras, não sua pronúncia. Oito países cuja língua oficial é o português assinaram o acordo, se comprometendo a fazer as mudanças: Brasil, Portugal, Angola, Timor Leste, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Porto Príncipe.
O professor de português Ary Silva ensina língua, redação e gramática há 46 anos. Seja a pessoa contra ou a favor, ele considera que a mudança já está consolidada no país. "O acordo é ortográfico. Não mexe com nenhum outro aspecto da gramática. Posso afirmar sem medo de errar que, no Brasil, o Acordo Ortográfico já 'pegou'. A imprensa, as grandes revistas de circulação nacional, as emissoras de TV são exemplos do efetivo uso do Acordo Ortográfico", opina. "Até o próximo ano as escolas terão que dar mais ênfase às modificações".
Ary Silva se disse contra as mudanças porque alguns itens delas não eram necessários, nem foram bem regulamentados. "Dentre as mudanças desnecessárias, eu colocaria a exclusão do trema. Além de ser um sinal bastante simpático, eu o considero necessário para a leitura do vocábulo. Outra alteração que não faz sentido é a exclusão do acento diferencial do vocábulo 'para', no verbo ou preposição: 'Carnatal para Natal'. Não se consegue entender corretamente um texto com essa mudança. Isso tudo sem falar na confusão que ainda existe a respeito do uso do hífen", argumenta.
Livros já chegam às escolas estaduais com mudanças
Os livros de Língua Portuguesa comprados esse ano pela Secretaria Estadual de Educação já estão totalmente adaptados às novas regras, e serão distribuídos em toda a rede de ensino do Rio Grande do Norte, que tem ? escolas. Na opinião de Betânia Ramalho, secretária estadual de educação, as escolas estão em processo de adaptação para fazer valer essas mudanças desde que o acordo entrou em vigor de forma híbrida, em 2010. "Essas mudanças ocorrem, mas é dado um tempo para a população se adaptar e absorver as novas regras. A escola tem esse papel de fazer valer essa instrução", diz.
Num estado onde a carência predomina na rede pública de ensino, até mesmo ensinar a língua portuguesa como um todo é um desafio. Betânia, que é professora universitária da UFRN, acredita que o esforço tem que ser permanente para que a qualidade de uma aula de língua portuguesa seja sempre o principal objetivo do professor da disciplina. "Muitas vezes temos dificuldades de manter até mesmo as regras antigas, então é necessário um esforço permanente para que essas regras sejam usadas dentro dessa nova realidade", afirmou.
Já segundo o professor Ary Silva, as escolas municipais, estaduais e particulares não terão "nenhum grande desafio" para se adaptar às novas regras. "Inicialmente as séries iniciais já aprenderão usando o Acordo Ortográfico. As demais séries já devem ter visto alguma coisa durante esse tempo em que as duas formas foram aceitas. Além de tudo, é importante ressaltar que, no Brasil, apenas 0,5% das palavras sofreram alguma alteração, isto é, uma quantidade mínima. Se observarmos um texto com 40 linhas, encontraremos não mais que três ou quatro palavras contempladas".
O educador acredita que é a prática que manda, ou seja, é preciso saber que a reforma existe e seja consultada, quando for necessário. "Calma, sem desespero! Não vamos transformar esse acordo em uma guerra. Uma apresentação bem feita de uma hora resolve o problema. Finalmente, olhe para uma biblioteca. Observe todos os livros que estão na estante e diga a você mesmo: Tudo está velho! Tem que ser atualizado! E o preço a ser pago para que isto aconteça? A resposta é sua!". (SHS)
Relembre as principais mudanças do acordo ortográfico
- As paroxítonas terminadas em 'o' duplo não terão mais acento circunflexo; ao invés de 'abençôo', 'enjôo' ou 'vôo', agora se escreve 'abençoo', 'enjoo' e 'voo'
- Mudam as normas para o uso do hífen no meio das palavras: o hífen vai desaparecer do meio de palavras, com exceção daquelas em que o prefixo termina em `r´, casos de 'hiper-', 'inter-' e 'super-', pelo que passa a se escrever 'extraescolar', 'aeroespacial' e 'autoestrada'
- Não se usa mais o acento circunflexo nas terceiras pessoas do plural do presente do indicativo ou do substantivo dos verbo 'crer', 'dar', 'ler','ver' e seus decorrentes. Passa a ser correta a grafia 'creem', 'deem', 'leem' e 'veem'
- Criação de alguns casos de dupla grafia para fazer diferenciação, como o uso do acento agudo na primeira pessoa do plural do pretérito perfeito dos verbos da primeira conjugação, tais como 'louvámos' em oposição a 'louvamos' e 'amámos' em oposição a 'amamos'
- O trema (brasileiro) desaparece completamente. É correto escrever 'linguiça', 'sequência','frequência' e 'quinquênio' ao invés de 'lingüiça', 'seqüência', 'freqüência' e 'qüinqüênio'
- O alfabeto deixa de ter 23 letras para ter 26, com a incorporação de 'k', 'w' e 'y'
- O acento deixa de ser usado para diferenciar 'pára' (verbo) de 'para' (preposição)
- No Brasil, Foi eliminado o acento agudo nos ditongos abertos 'ei' e 'oi' de palavras paroxítonas, como 'assembléia', 'idéia', 'heróica' e 'jibóia'. Desde 2010, o certo é 'assembleia', 'ideia', 'heroica' e 'jiboia'
Ência Lusa (Portugal); Banco de Dados da Língua Portuguesa FFCLH/USP, 2007 (Brasil) [adaptado]
Fonte: Diario de Natal